Economista explica como programa de transferência de renda pode até dobrar o consumo das famílias e aquecer a economia local.
Uma nova “moeda” está transformando a economia de Coruripe, município que fica a 87 quilômetros de Maceió. Na verdade, a moeda oficial ainda é o Real, mas o dinheiro está circulando de uma forma diferente por lá há dois meses.
Em maio deste ano, a prefeitura lançou um cartão de transferência de renda para a população mais vulnerável, parecido com o que já é feito no Bolsa Família. A diferença, porém, é que este crédito só pode ser utilizado dentro do próprio município.
O chamado Cartão Cidadão disponibiliza mensalmente R$ 100 para serem utilizados com alimentação e, a cada dois meses, mais R$ 100 extras para o gás de cozinha. O valor não utilizado em um mês também acumula para o período seguinte.
A ideia, segundo a prefeitura, é favorecer o comércio local ao mesmo tempo em que complementa a renda das famílias nos itens básicos da mesa.
De maio até início de julho, o programa injetou mais de R$ 260 mil no cartão de quase 900 famílias, e destes, R$ 240 mil já tinham circulado entre os negócios da cidade.

E os comerciantes têm aprovado. Proprietária de um hortifruti no povoado Bonsucesso, zona rural do município, Zuilda Priscila Alves conta que dobrou as vendas após o lançamento do cartão.
“Dobraram as vendas, principalmente nas verduras e frutas. Antes a gente fazia compras [para repor o estoque] uma vez na semana, e hoje a gente está conseguindo fazer duas vezes na semana”, comenta.
Binho do Gás é outro empreendedor local que se beneficiou com o programa. Segundo ele, as vendas do negócio aumentaram em 20%.
“Acredito que já tenho uns 10 anos vendendo gás. E se destacou bastante [o faturamento] esse ano por causa desse cartão. Tá sendo muito bom, mudou bastante. E não só mudou pra minhas vendas, mas para o nosso município porque ajuda muitas famílias em questão financeira”, afirma.
De acordo com o economista Marcelo de Arruda, esse não é o único impacto de uma estratégia de transferência de renda como a do Cartão Cidadão, porque o dinheiro não para de circular no hortifruti da Priscila ou no depósito de gás do Binho.

Isso ocorre devido ao chamado Efeito Multiplicador de Renda. “Esse conceito econômico significa que o consumo no valor de R$ 240 mil na economia de Coruripe vai adicionar uma riqueza desproporcionalmente superior a este valor. Ao elevar a renda das famílias, elas passam a comprar produtos numa proporção maior do que realizavam anteriormente, aumentando a receita das panificações, mercadinhos e depósitos de gás”, explica.
Com mais receita, esses empreendimentos terão maior impulso para aumentar pedidos a fornecedores, contratar novos funcionários e expandir lucros.
“Esse movimento continua sendo replicado, afinal, a receita adicional para os fornecedores, os gastos do funcionário contratado e o consumo do empresário com seu lucro também vão entrar na economia do município”, complementa Marcelo.
É o caso da Priscila, do hortifruti. Com o lucro obtido com as vendas dos últimos meses, ela conta que já iniciou uma reforma no espaço e pretende contratar um motoboy para realizar entregas dos pedidos.
Impacto econômico
Para ter uma real noção do impacto econômico de uma medida como essa em Coruripe, Marcelo de Arruda explica que é necessário o desenvolvimento de um estudo específico para aquela realidade.
No entanto, considerando trabalhos anteriores que analisaram o impacto econômico de programas de transferência de renda a nível nacional, como o Bolsa Família, é possível usar a referência do multiplicador de 1,78 no PIB.
“Ou seja, os R$ 261.500,00 transferidos poderiam significar um aumento de R$ 465.470,00 no PIB da economia de Coruripe, considerando condições similares de impacto”, afirma o economista.

Segundo ele, também foram produzidos estudos voltados para a análise específica do efeito de programas de transferência de renda para o consumo final das famílias. O resultado foram cenários onde o nível de consumo das famílias foi multiplicado em até 2,40.
“Neste cenário, os estudos demonstram que essas políticas também melhoram outros indicadores municipais como os escolares, nutricionais e de saúde – por exemplo, com aumento da taxa de vacinação das crianças. Esses outros aspectos também vão influenciar positivamente a economia indiretamente”, ressalta de Arruda.
O economista esclarece ainda que o efeito no PIB não é proporcional setorialmente e tende a trazer maior impacto no crescimento do setor de serviços em comparação a outras áreas. Além disso, os multiplicadores citados se referem a análises preliminares a partir da equiparação de premissas de outras experiências similares.
Como funciona o Cartão Cidadão?
Lançado em maio de 2023, o cartão pode ser utilizado nas empresas cadastradas, entre mercadinhos, supermercados, mercearias e depósitos de gás do próprio município.
Podem receber o cartão, famílias:
- Com renda mensal per capita de até R$ 100,00;
- Inscrição devidamente atualizada no CADÚNICO;
- Filhos devidamente matriculados na rede municipal e/ou estadual de ensino, com frequência mínima de 80%, com acompanhamento bimestral;
- Inserção dos membros na Educação de Jovens e Adultos – EJA;
- Cadernetas de vacinação atualizadas dos filhos de 0 a 18 anos incompletos;
- Gestantes com a caderneta do Pré-natal atualizada.
E para permanecer no programa social, é exigida participação nas reuniões mensais, previamente divulgadas; apresentação da documentação atualizada; comprovação da realidade social das famílias mediante entrevistas sociais e visitas domiciliares realizadas pelos técnicos da prefeitura.
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