Na semana passada, a notícia sobre a criação do ‘peso-real’ voltou a ser assunto nas redes sociais. Como quase tudo no Brasil, o que se viu foi uma chuva de opiniões precipitadas e equivocadas sobre o tema, que é muito mais técnico e menos político do que você imagina.
Antes que os desavisados tentem associar a ideia do ‘peso-real’ ao atual Governo Lula e qualquer pretensão de política econômica heterodoxa ou socialista, aqui vai um aviso: uma ideia similar ao tema existe desde junho de 2019, ainda no Governo Bolsonaro, quando foi noticiado pela primeira vez a intenção de criação de uma ‘moeda única’ para a América Latina.
Superada a questão política, vamos agora aos principais esclarecimentos: existe uma diferença enorme entre a criação de uma moeda única e uma moeda comum entre países.
Uma moeda única seria algo parecido com o Euro (EUR), onde existe uma unificação que substitui as moedas nacionais de cada país, bem como pontos fiscais e até mesmo o papel dos bancos centrais dos países, que também poderiam ser unificados.
Já uma moeda comum, como a proposta que aparentemente está na mesa, seria como uma ferramenta para facilitar transações no comércio exterior entre os dois países (ou os próximos que desejem aderir), ou seja, seria apenas uma moeda virtual, como as chamadas stablecoins nas criptomoedas, que teria a função de servir como uma unidade de conta comum entre os países, substituindo o dólar.
Ela funcionaria inicialmente em paralelo com o real brasileiro e o peso argentino, servindo como ponto de encontro em fluxos financeiros e comerciais. Posteriormente, outros países da região seriam convidados a integrarem o projeto.
E por que isso é importante?
Para importar do Brasil hoje, a Argentina depende de uma terceira moeda (dólar), a qual hoje não possui fácil acesso devido à sua intensa crise econômica.
Assim, o ‘peso-real’ seria uma alternativa ao dólar, atendendo aos interesses do comércio entre os dois países, não sendo necessário que nenhum dos países envolvidos na transação utilize o dólar como ‘ponto de encontro’ de suas transações comerciais.
Hoje, em suas relações comerciais, o caminho do câmbio entre Argentina e Brasil é: Peso argentino – Dólar americano – Real brasileiro. Com o ‘peso- real’, teríamos: Peso argentino – ‘peso-real’ – Real brasileiro.
Vale ressaltar que o ‘peso-real’, ao menos como foi apresentado até o momento, também seria flutuante, ou seja, se o peso argentino se desvalorizar, ele também perderia valor frente ao ‘peso-real’.
Por fim, a criação de ‘reservas financeiras’ em ‘peso-real’ e não em dólar permitiria que as economias da região tivessem um comércio facilitado entre si e especialmente com o Brasil. Trata-se de uma ferramenta econômica de fomento comercial entre os países.
Assim, fica claro que existe uma tremenda confusão ao se tratar sobre o tema, onde misturam situações com consequências extremamente distintas, onde não se confundem a ideia de moeda comum com a de moeda única.
Inclusive, na minha opinião, qualquer movimento no sentido de implementar uma moeda única na América Latina seria uma péssima ideia. Mas este é um tema para outro texto, já que hoje só gostaria de diferenciar os conceitos, que estão longe de serem idênticos, ainda que tenham a grafia parecida.
Arthur Stuart é sócio-fundador do Grupo SG, Assessor de Investimentos certificado pela ANCORD e Correspondente Cambial, atuando no mercado financeiro desde 2019.