Destacando os seus mais de 109 (cento e nove) anos de história, com a alegada preferência de 30% (trinta por cento) dos aficionados pelo futebol residentes no estado de Alagoas – o que representa cerca de 900 mil torcedores -, o Centro Sportivo Alagoano (CSA) apresentou, ao Poder Judiciário estadual, pedido pelo deferimento de recuperação judicial.
A solução jurídica não é exatamente inovadora: utilizada por clubes como o Sport, com recuperação em processamento desde março deste ano, e Cruzeiro, que atualmente aguarda sua homologação, o CSA se soma a uma lista em que já figuram Náutico, Santa Cruz, Coritiba, Chapecoense, Joinville, Avaí, Guarani e Paraná.
Desde que a Lei das Sociedades Anônimas do Futebol (Lei das SAF), sancionada em 2021, permitiu expressamente a utilização das recuperações judicial e extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, multiplicaram-se os pedidos pelo que se assemelha à antiga concordata.
O foco da atual legislação, contudo, é permitir o soerguimento da empresa, autorizando a adoção de medidas de “socorro” para fazer frente à crise financeira – que compreende, no caso do CSA, uma dívida que pode ultrapassar R$ 7,6 milhões.
Com as inovações legais, mesmo sendo uma entidade associativa (ainda não transformada em Sociedade Anônima de Futebol), o clube que desenvolva atividade futebolística em caráter habitual e profissional será considerado empresário após o registro, assim como já ocorria com o produtor rural.
Assim, é possível que o clube se beneficie de medidas aptas, em síntese, a reduzir ou postergar o pagamento de dívidas existentes na data do pedido, ainda que não vencidas (com exceções como, por exemplo, as dívidas de natureza fiscal).
Um dos mecanismos mais eficientes previstos em lei é a imposição do chamado “período de blindagem” (stay period), em que se suspendem, além do curso da prescrição, as execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial, e ficam proibidas qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais, cujos créditos ou obrigações também se sujeitem à recuperação.
Esse “fôlego” é limitado a 180 (cento e oitenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação, podendo, excepcionalmente, ser prorrogado uma única vez e por igual período, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.
Durante este tempo, espera-se que a atividade empresária seja mantida e ao clube seja outorgado um período de salvaguardo a fim de que elabore seu plano de recuperação no prazo improrrogável de sessenta dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência (art. 73, II da Lei 11.101/2005).
Buscando demonstrar que sua inviabilidade econômico-financeira é momentânea, o pedido de recuperação apresentado pelo CSA exalta suas conquistas esportivas, mas atribui à “crise financeira nacional”, aos impactos da COVID-19 no futebol e à dificuldade na conclusão das obras do CT Gustavo Paiva as razões para o atual cenário, demonstrando que, para além da descapitalização do ativo circulante (que, segundo alega, ocorreu em função da construção do novo centro de treinamento no período de apenas 1 ano e meio), os empréstimos aumentaram de forma significativa, passando de R$ 510 mil reais (2019) para R$ 2 milhões de reais (2022).
Além disso, nos termos da própria petição apresentada pelo clube ao juízo, “o CSA viu as suas obrigações com pessoal aumentar em R$ 2,5 milhões de reais, passando de R$ 2,8 milhões (2019) para R$ 5,4 milhões (2022)”, estando, ao final, com resultado líquido deficitário: os prejuízos foram apresentados à Justiça como sendo de cerca de R$ 2,6 milhões de reais (2021) e R$ 3,2 milhões de reais (2022).
O pedido de recuperação, porém, não pode ser apenas um rosário de dores. É necessário convencer a Justiça de que, apesar de endividado, o clube é capaz de sobreviver a esta crise e manter, além da prática esportiva, cerca de 100 (cem) empregos diretos – com o amparo, claro, dos mecanismos legais, assim como a anuência dos credores quanto ao plano de recuperação proposto pela entidade. Ao menos em tese, este plano deve ser factível, ou seja, inteligível, claro e concreto, possibilitando sua análise por todos os credores, zelando pela transparência e afastando o risco de assimetria de informações.¹
Assim, para demonstrar sua viabilidade econômico-financeira, o CSA destaca suas conquistas esportivas anteriores, a tendência de recuperação econômica do país, “a captação de novos investimentos e patrocinadores e retorno para a série B do Campeonato Brasileiro e participações em outros campeonatos de relevância nacional”, o desenvolvimento da categoria de base, medidas de contenção e renegociação de despesas e, por último, a já ventilada criação da SAF – Sociedade Anônima do Futebol.
Na decisão que deferiu o processamento da recuperação, o juiz entendeu que “o clube demonstrou de maneira satisfatória a sua situação econômica de crise, a qual – além das informações apresentadas nos autos – podem ser confirmadas pela própria mídia, a qual noticia constantemente as suas dificuldades” e, apontando o “dever do Juízo Universal de buscar a preservação da atividade, empregos e funcionamento de empresas que demonstrem capacidade de soerguimento e reorganização”, concluiu que a atividade desempenhada pelo CSA “representa o emprego direto de mais de 100 (cem) colaboradores”, além de ser “fonte de história e esperança para diversos jovens que encontram em suas bases a chance de realização de uma carreira esportiva profissional”.
Foi dado o apito inicial e, conforme as regras deste jogo, o juízo já decretou o período de blindagem de 180 (cento e oitenta) dias – e ainda entendeu ser contado em dias úteis o prazo previsto no art. 6º, §4º, Lei nº 11.101/05. O ritmo do jogo é favorável – resta ao CSA organizar o time e convencer os credores de que pode vencer.
REFERÊNCIAS
¹ GUIMARÃES, Márcio Souza. Recuperação judicial – plano de recuperação judicial. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. Julho 2018. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018.