Projeto, destinado a pequenos empresários, ainda pode sofrer alterações.
A Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 22 de dezembro, o Projeto de Lei (PL) que cria o Código de Defesa do Empreendedor. A medida deverá criar normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica. Agora, a proposta será enviada ao Senado, podendo sofrer alterações.
O texto do Projeto de Lei 4.783/20 tem como objetivo fortalecer o cenário econômico e promover o empreendedorismo, simplificando os atos de liberação de atividade econômica protegendo a livre iniciativa.
Algumas das medidas previstas são:
- simplificação dos atos de liberação da atividade pelo Poder Público;
- garantia da ampla defesa e do contraditório nos processos administrativos referentes aos atos de liberação, presunção de boa-fé e veracidade dos documentos apresentados pelo empreendedor;
- garantia do empreendedor em obter, em tempo razoável, decisão fundamentada sobre solicitações em atos de liberação da sua atividade.
De acordo com o autor do projeto, deputado Felipe Rigoni, o objetivo principal é auxiliar os pequenos empresários. “Aqueles que não têm dinheiro ou capacidade técnica – advogados ou contadores – para seguir essas regras absurdas e variadas que temos no Brasil”, disse. Rigoni acrescenta que o projeto deverá flexibilizar o poder da Administração Pública.
“Se a administração pública vai fazer uma fiscalização, ela primeiro vai fazer uma fiscalização orientadora. Em vez de já dar multa para o empregador, ela vai ter que orientar primeiro, salvo algumas exceções”, explica.
O que acontece, caso o código seja aprovado?
Segundo o advogado Lucas Barbosa, especialista em Direito Empresarial, caso o PL seja aprovado, será um marco legal em questão de desburocratizar a regularização das atividades econômicas diante da Administração Pública. Com o texto aprovado, a lei só passa a valer 60 dias após a publicação oficial, para que todos se adequem.
“Esse lapso temporal [dos 60 dias] estabelecido pelo legislador se deve ao fato de que o PL cria algumas obrigações para a Administração Pública, inclusive nas esferas Estadual e Municipal, como a necessidade de desenvolver e operacionalizar sistemas integrados, em plataforma digital, a fim de obter de forma simplificada documentos necessários aos processos de registro, abertura, funcionamento, modificação e extinção de empresas”, explica.

Barbosa acrescenta que, caso o PL seja aprovado sem alterações, constituirá norma de proteção à atividade econômica, diminuindo a burocracia relacionada aos atos de liberação, e limitando o poder de intervenção do Estado.
“Com a criação da Contestação de Documentação Desnecessária (CDD), a Administração Pública, nas esferas Federal, Estadual e
Municipal, precisarão regulamentar como este novo procedimento será processado internamente em cada Órgão de acordo com suas competências e seu organograma”, completa o advogado.
Contudo, o advogado salienta que ainda há um longo caminho até que o Código de Defesa do Empreendedor entre em vigor, caso aprovado, já que ainda será analisado pelo Senado Federal e pode sofrer alterações, devendo ser analisado novamente pela Câmara antes de ser sancionada pelo Presidente da República.
Empreendedor terá direito de contestar documentos desnecessários
O projeto traz a Contestação de Documentação Desnecessária (CDD), que pode ser apresentada pelo interessado diante de um pedido de especificação técnica ou documentação que julgue desnecessária para a atividade econômica desempenhada. Para Barbosa, esta é uma das maiores novidades trazidas pelo PL.
O empresário poderá requerer a contestação sempre que estiver diante de uma requisição de especificação técnica ou de documentação desnecessária para o exercício de sua atividade. O órgão terá, no máximo, 30 dias úteis para emitir uma decisão fundamentada, e caso não faça, será considerada procedente a contestação feita.

Enquanto a contestação estiver pendente, o prazo para o empreendedor atender a requisição recorrida ficará interrompida. A suspensão do prazo e a aprovação tácita por decurso de prazo não se aplicam no caso de a administração pública indeferir a CDD em decisão simplificada e fundamentada por considerá-la manifestamente protelatória.
Quais serão os benefícios para o empreendedor?
Além da criação da Contestação de Documentação Desnecessária (CDD) e a obrigação da Administração Pública em zelar pela segurança jurídica pelo Regime de Governança Pública, Barbosa pontuou outras vantagens que poderão beneficiar o empreendedor, direta e indiretamente:
- Criação de prazos para que a Administração Pública analise o pedido de liberação ou licenciamento da atividade: 30 dias para atividades de médio risco e 60 dias para atividades de alto risco;
- Garantia de que a primeira fiscalização efetuada pelo Poder Pública será realizada com o intuito orientador ou educativo, sem a lavratura de autos de infração, salvo em casos de dano irreparável ou grave;
- Garantir ao empreendedor o exercício do contraditório e ampla defesa, mesmo nos casos em que a Administração Pública poderá atuar de ofício;
- A celeridade, simplificação e virtualização dos procedimentos de liberação e licenciamento da atividade econômica;
- Possibilidade de o empreendedor utilizar ferramenta tecnológica para substituir o modo atual de visualização das autorizações, alvarás de
funcionamento e outras declarações públicas que, por lei, devem ser fixadas no interior do estabelecimento.
Projeto não é novidade
De acordo com Lucas Barbosa, apesar dos benefícios apresentados, o Projeto de Lei não é uma grande novidade, já que existe a Lei da Liberdade Econômica, que está em vigência desde 2019.
“O que se percebe, na verdade, é que o texto recém aprovado na Câmara dos Deputados passará a integrar um microssistema jurídico de valorização e proteção à livre iniciativa frente à morosidade e excessiva intervenção da Administração Pública nas relações econômicas”, destaca.
Uma semelhança apontada por Barbosa entre as duas é que a lei de 2019 já estabelecia a intervenção subsidiária do Estado e a sua atuação como agente normativo e regulador. A Lei da Liberdade Econômica também já previa normas relacionadas aos atos de liberação da atividade, garantindo o direito do empreendedor obter a documentação em prazo razoável.
“Na prática, no entanto, a Administração Pública permaneceu morosa ou burocrática quanto a realização do licenciamento da atividade econômica. Um exemplo da continuidade da burocracia pode ser demonstrado através da análise do Relatório Doing Business Brasil – Subnacional 2021, em que se mostra que, em Alagoas, o empreendedor precisará enfrentar 21 procedimentos para a regularização de empreendimento imobiliário, o que se traduz em uma média de 352 dias, por conta da ausência ou dos descumprimentos de prazos pela Administração Pública, bem como das diversas solicitações de documentos desnecessários ou realizados sem clareza e objetividade”, explica o advogado.

Por conta desses fatores, houve a necessidade de fortalecer a livre iniciativa mais uma vez, mas com uma lei que tratasse especificamente sobre o problema dos atos de liberação e licenciamento da atividade.
“Com a eventual aprovação do PL no Senado Federal e a vigência do Código de Defesa do Empreendedor, o empresário contará, agora, com um diploma normativo específico para tratar da sua relação com o Estado no que se refere aos atos de liberação e licenciamento de sua atividade, o que implicará verdadeiramente a desburocratização por conta do estabelecimento de prazos específicos para a Administração Pública emitir os documentos, alvarás, licenças e certidões”, salienta Barbosa.
Para o advogado, caso o PL entre em vigor, poderá proporcionar “maior segurança jurídica e probabilidade de êxito em eventuais casos de judicialização, tendo em vista que a concessão de Mandado de Segurança requer a violação de direito líquido e certo pela Administração Pública”, conclui.